01 março 2012

Ainda me lembro...

Ainda me lembro da Alfaiataria Infantil.
Ainda me lembro da Butte Rouge em Châtenay- Malabry.
Ainda me lembro da cara da minha primeira namorada.
Ainda me lembro da Charlotte nos joelhos de Serge Gainsbourg.
Ainda me lembro da Dominique que falava russo na Checoslováquia ou em Shiofok.
Ainda me lembro da dona Irene da Escola Italiana.
Ainda me lembro da fábrica Citröen no quai de Javel, com aqueles operários adormecidos que viajavam comigo no metro.
Ainda me lembro da fábrica da rua da Torrinha.
Ainda me lembro da festa que foi quando o primeiro televisor chegou à casa onde eu vivia.
Ainda me lembro da gata da Fernanda.
Ainda me lembro da irmã do Artur Jorge que andou comigo na escola infantil.
Ainda me lembro da irmã do Pinóquio que encontrei num Congresso de Professores.
Ainda me lembro da Loja do Manuel da Fonte.
Ainda me lembro da senhora Emília da Aguda.
Ainda me lembro da luta contra as caniças na praça de Monjustin.
Ainda me lembro da Marie-Jo.
Ainda me lembro da minha sogra com o xelique.
Ainda me lembro da moto da Katell.
Ainda me lembro da mousse de chocolate do Frederico de Mafra.
Ainda me lembro da palmatória que usava a minha professora.
Ainda me lembro da Piscina de Châtenay- Malabry.
Ainda me lembro da Place de la Réunion em dias de mercado.
Ainda me lembro da porta da cozinha da casa da minha madrinha.
Ainda me lembro da primeira vez que cheguei a Vila Real.
Ainda me lembro da primeira vez que cheguei à gare de Austerlitz.
Ainda me lembro da Ribeira ser uma zona pobre e não uma zona para atrair turistas e onde se encontram todos aqueles que se julgam "IN".
Ainda me lembro da São em Bordeaux.
Ainda me lembro da sobrinha neta do Tolstoi que era a amiga do camionista.
Ainda me lembro da Solidariedade de Creteil.
Ainda me lembro daquele sino de igreja que tocava de quarto em quarto de hora.
Ainda me lembro das despedidas nas gares de caminho de ferro.
Ainda me lembro de ir comer ao restaurante universitário de Vincennes.
Ainda me lembro de ter comido na cantina do pessoal em Orly.
Ainda me lembro de ir telefonar para santa bárbara pois o telemóvel não tinha rede em Sabrosa.
Ainda me lembro de ter brincado com a solidão.
Ainda me lembro de ter conhecido a fome no meu estômago.
Ainda me lembro de ter conhecido mulheres mal-amadas.
Ainda me lembro de ter encontrado chilenos reconfortados.
Ainda me lembro de ter namorado ao telefone com mulheres desconhecidas.
Ainda me lembro do foyer da rue de Vaugirard.
Ainda me lembro do tempo em que andar de avião , ou era um luxo ou uma aventura.
Ainda me lembro da ultima vez que fui a Paris.
Ainda me lembro daquela fabriqueta de raviolis perto da avenida da Opera.
Ainda me lembro daquela festa fabulosa na praça da Bastilha em Maio de 1981.
Ainda me lembro daquela freira que era pintora da construção civil.
Ainda me lembro daquela judia que abandonou tudo e que foi como enfermeira para Israel durante a guerra dos seis dias.
Ainda me lembro daquela noite na gare de Fuentes de Onoro. (onde está o ~?)
Ainda me lembro daquela porteira da rua Raymond Losserand.
Ainda me lembro de certos momentos que passei na tropa.
Ainda me lembro de ter estado em Tancos num verão quente.
Ainda me lembro daquela romena que se sentou à nossa mesa e que falava português.
Ainda me lembro daquela vez que atravessei o Palácio da Justiça de Paris pela primeira vez.
Ainda me lembro daquelas cuecas azuis diante dos meus olhos, quando me despertavam.
Ainda me lembro daquelas semanas que passei em Santa Margarida.
Ainda me lembro daquele bordel na Vila Praia da Vitória.
Ainda me lembro daquele cabo que me contava a história de Angra do Heroismo nos momentos livres que passávamos a fumar no paiol.
Ainda me lembro daquele carimbo falso feito na rue Pernety.
Ainda me lembro daquele cinto da Mocidade Portuguesa que tinha um S mal soldado.
Ainda me lembro daquele dia de chuva, em Novembro, quando passei o exame de condução.
Ainda me lembro daquele eléctrico maravilhosamente moderno que era o "quinhentos".
Ainda me lembro daquele ex-padre que se casou com uma ex-freira.
Ainda me lembro daquele filme no Caveau de la Huchette.
Ainda me lembro daquele local da CFDT na Rue du Chateau.
Ainda me lembro daquele ministro que comia na cantina com os funcionários da câmara.
Ainda me lembro daquele presidente da câmara que nunca comia com os funcionários na cantina.
Ainda me lembro daquele responsável de parque de campismo, que quando soube que eu era português começou a gritar: "Cunhal, Cunhal.".
Ainda me lembro daquele vazio que existia no sítio dos Correios.
Ainda me lembro daqueles corredores frios e sonoros do quartel em pleno convento de Mafra.
Ainda me lembro daqueles pretos a falarem português no "Le Buci".
Ainda me lembro das bebedeiras na base das Lages.
Ainda me lembro das cheias do rio Douro que punham os moradores de Miragaia com os móveis molhados.
Ainda me lembro das folhas do jornal de noticias a servirem de papel higiénico no quarto de banho do tio António.
Ainda me lembro das freiras só andarem de hábito na rua.
Ainda me lembro das lâmpadas de 110 volts.
Ainda me lembro das ruas do Porto estarem desertas à noite.
Ainda me lembro de algumas pessoas que não vejo há mais de 30 anos.
Ainda me lembro de algumas pielas.
Ainda me lembro de andar aos pontapés na bola no estádio da Constituição e num terreno junto ao Prado do Repouso.
Ainda me lembro de boicotar os produtos da Africa do Sul.
Ainda me lembro de certas praias com um grande areal.
Ainda me lembro de comprar cigarros avulso na rua dos Mártires.
Ainda me lembro de crianças com saturnismo em Paris.
Ainda me lembro de ir a Fátima com muita devoção.
Ainda me lembro de ir a Valverde em cima de um burro.
Ainda me lembro de ir à missa com muita atenção todos os domingos.
Ainda me lembro de ir comer Bacalhau ao "Chez Albert"., rue Mazarine.
Ainda me lembro de ir comer uma francesinha ao Cardoso de Vila Real.
Ainda me lembro de ir da Aguda a Espinho a pé porque as moedas eram poucas.
Ainda me lembro de ir de eléctrico até à praia de Leça, onde havia um castelinho plantado no meio da praia.
Ainda me lembro de ir jogar ao pião para o jardim do Carregal.
Ainda me lembro de ir namorar para a praia.
Ainda me lembro de ir todas as noites ao Estrela.
Ainda me lembro de jogar ao King com (contra) o Osvaldo, na Aguda.
Ainda me lembro de jogos de futebol nos quais o Matateu rematava e o Barrigana defendia.
Ainda me lembro de l'Armoise.
Ainda me lembro de jogar ao King na casa do Ernesto, na Aguda.
Ainda me lembro de manifestar diante a embaixada do Chile contra o assassinato de Allende.
Ainda me lembro de me ter rido dos vivos.
Ainda me lembro de não pagar IRS.
Ainda me lembro de não ter assistido à chegada do primeiro homem à Lua.
Ainda me lembro de não ter cabelos brancos.
Ainda me lembro de não ter frio quando tomava banho na praia da Aguda.
Ainda me lembro de não ter ido ao funeral do Sartre.
Ainda me lembro de não ter tempo para ter tempo para mim.
Ainda me lembro de passear pelos telhados da Sé depois de passar pela oficina do sapateiro.
Ainda me lembro de procurar as estrelinhas no empedrado à volta do soldado desconhecido.
Ainda me lembro de só haver duas pontes entre o Porto e Gaia.
Ainda me lembro de ter alugado um fato no Valverde.
Ainda me lembro de ter atravessado a Barra em S. Jacinto.
Ainda me lembro de ter ido em mula até Valverde.
Ainda me lembro de ter comprado uma máquina de lavar nos "Magasins du Louvre".
Ainda me lembro de ir a fátima já sem devoção nenhuma.
Ainda me lembro que o meu pai me convidou a ir viver para a África do Sul.
Ainda me lembro que passei umas horas na pide do Porto.
Ainda me lembro de ter atravessado o Marão sem nevoeiro.
Ainda me lembro de ter bebido pirolitos na senhora da saúde.
Ainda me lembro de ter chegado a Paris numa manhã com as ruas cheias de neve.
Ainda me lembro de ter chorado os mortos.
Ainda me lembro de ter chorado porque o meu pai me tinha dado uma coça.
Ainda me lembro de ter encontrado, por acaso, o Carneiro num banco de Peniche.
Ainda me lembro de ter falado com a Madame Miské.
Ainda me lembro de ter feito amor num laboratório de fotografia.
Ainda me lembro de ter frieiras no inverno.
Ainda me lembro de ter frio nos cabelos.
Ainda me lembro de ter fumado um charro em Peniche.
Ainda me lembro de ter ido a uma festa à Ponte da Pedra.
Ainda me lembro de ter ido buscar o Manel ao quartel de Tomar.
Ainda me lembro de ter ido reconhecer um corpo à morgue.
Ainda me lembro de ter ido tirar a minha primeira carte de séjour num local infecto boulevard Ney.
Ainda me lembro de ter ido ver o Carlos Paredes tocar num festival de Vilar de Mouros.
Ainda me lembro de ter ido ver uma revista ao Parque Mayer.
Ainda me lembro de ter ido visitar o cemitério russo de Sainte Geneviève des Bois e depois de lá ter feito um piquenique.
Ainda me lembro de ter ir ao café para ver televisão.
Ainda me lembro de ter jogado bilhar.
Ainda me lembro de ter lido a Vida Mundial com o meu avô
Ainda me lembro de ter lido o Grito do Povo.
Ainda me lembro de ter morado em Abrantes.
Ainda me lembro de ter olhos e vontade para fotografar.
Ainda me lembro de ter ouvido, ao vivo, o Zeca Afonso.
Ainda me lembro de ter passado o dia dos meus quarenta anos nos estados unidos.
Ainda me lembro de ter passado vários anos sem me sentar numa cadeira de barbeiro.
Ainda me lembro de ter recebido um cheque dos impostos franceses.
Ainda me lembro de ter recusado "champanhe" porque estava cheio de sede.
Ainda me lembro de ter seguido na televisão o funeral de "Tonton" Mitterrand.
Ainda me lembro de ter tido piolhos.
Ainda me lembro de ter tido vontade de visitar a Albânia.
Ainda me lembro de ter transportado uma cadeira numa mala.
Ainda me lembro de ter visitado o cemitério judeu de Praga.
Ainda me lembro de ter votado em 1969.
Ainda me lembro do Abrantes do Carmo.
Ainda me lembro dos amigos que passavam pela rua de Rivoli.
Ainda me lembro dos balneários da rue du Four.
Ainda me lembro dos Carnavais dos Fenianos.
Ainda me lembro que falei, face a face, com o Vinicius de Morais.
Ainda me lembro de um São João na avenida da Boavista.
Ainda me lembro de ver sem óculos.
Ainda me lembro de Vitruve com o Jean-Marc.
Ainda me lembro do 25 de Abril ouvido numa rádio em Montrouge.
Ainda me lembro de ter pedido um autógrafo ao Jorge Amado numa sala vazia.
Ainda me lembro do Adriano Correia de Oliveira a cantar nas escadas do Palácio de Justiça.
Ainda me lembro do café Rialto com os frescos do Abel Salazar.
Ainda me lembro do Carlos Alberto ser um cinema popular, onde passavam coboiadas.
Ainda me lembro do colégio alemão ter somente um muro a separá-lo da sinagoga do Porto.
Ainda me lembro do De Gaulle ter dito: "Vive le Quebec libre".
Ainda me lembro do dia em que foi anunciada a morte de Pompidou.
Ainda me lembro do dia em que Salazar morreu.
Ainda me lembro do tio Rosinha.
Ainda me lembro da minha bisavó.
Ainda me lembro de ter ficado doente por ter bebido laranjada.
Ainda me lembro do Espirito Santo a fazer um jornal num antigo talho dos Halles.
Ainda me lembro do Gama a falar na piscina do Técnico em 69.
Ainda me lembro do Julio Resende não morar em Gondomar.
Ainda me lembro do Mário Viegas a declamar num palco em Paredes na "primavera" de 1969.
Ainda me lembro do Matateu ter arrumado as botas pelo Belenenses.
Ainda me lembro do meu avô me contar histórias fabulosas da sua estadia em Marrocos.
Ainda me lembro do meu pai fazer uns tantos quilómetros para passar um dia de aniversário comigo - coisa que não lhe acontecia há muito tempo.
Ainda me lembro do Nuno ir namorar para a piscina da Granja enquanto a Isabel tomava conta das meninas da Mocidade Portuguesa.
Ainda me lembro do odor do metro de Paris que, por vezes, me fazia lembrar o do eléctricos do Porto.
Ainda me lembro do olhar daquela Louise (trotskista) sobre as minhas botas quando soube que eu era desertor.
Ainda me lembro do olhar duma minha ex-namorada.
Ainda me lembro do Pacheco Pereira ser jovem.
Ainda me lembro do Palácio de Cristal com uma velha estrutura de vidro e de ferro.
Ainda me lembro do Pedro a atirar um caixote do lixo à cabeça dum pide.
Ainda me lembro do "Porto" do Sebastião Ribeiro.
Ainda me lembro do primeiro dia em que fui para o liceu.
Ainda me lembro do rei de Espanha viver exilado em Portugal.
Ainda me lembro do Said de Courbevoie.
Ainda me lembro do Salão Silva Porto.
Ainda me lembro do senhor Joel do Ciborro.
Ainda me lembro do senhor Saul dos Bombeiros.
Ainda me lembro do tempo em que Artur Jorge jogava futebol.
Ainda me lembro do tempo em que era casado.
Ainda me lembro do tempo em que não existia o IVA.
Ainda me lembro da avó Perpétua.
Ainda me lembro do tempo em que o Manoel de Oliveira não fazia filmes chatos.
Ainda me lembro do tempo em que os rapazes e as raparigas não podiam estudar na mesma sala.
Ainda me lembro do tio João ir a uma casota ligar o gerador da casa dele.
Ainda me lembro do Vasco a desenhar para o Jornal Português.
Ainda me lembro do Vitor Alves como comandante de companhia em Mafra.
Ainda me lembro dos amigos da associação dos portugueses de Colombes.
Ainda me lembro dos Austins A40 a circularem.
Ainda me lembro dos bilhares do Café Palladium.
Ainda me lembro dos cafés de Paris completamente desertos à noite, pois toda a gente estava diante dos televisores a ver a guerra do Golfe.
Ainda me lembro dos eléctricos que passavam na rua de Cedofeita.
Ainda me lembro dos moinhos da Apúlia.
Ainda me lembro dos "piratas" dos Restauradores.
Ainda me lembro dos "poinçonneurs" no Metro de Paris (como na canção de Gainsbourg).
Ainda me lembro dos profetas da Caparica.
Ainda me lembro dos putos malucos num restaurante da Torreira.
Ainda me lembro dos refrigerantes da Gruta da Lomba.
Ainda me lembro dos socorros aos naufragos plantados numa duna na praia da Aguda.
Ainda me lembro dos trolleys que iam para Gaia.
Ainda me lembro duma viagem de comboio pela linha do Sabor.
Ainda me lembro em que prédio o Mário Viegas morou na rua Miguel Bombarda.
Ainda me lembro onde vi pela primeira vez o Couraçado Potemkine, na rua de Monsanto.
Ainda me lembro que a Leitura se chamava Divulgação.
Ainda me lembro que comprei uma quota num cinema.
Ainda me lembro do sindicato dos professores na rua das gaivotas.
Ainda me lembro do tempo em que as cooperativas culturais tinham razão de ser.
Ainda me lembro que conheci uma tipa chamada Obdulia!
Ainda me lembro que encontrei juguslavos felizes.
Ainda me lembro que existiam a Cortina de ferro e o muro de Berlim.
Ainda me lembro que houve um cardeal com nome próximo de ginja.
Ainda me lembro que Paranhos era no fim da linha oito.
Ainda me lembro que, em momentos dificeis, encontrei amigos.
Ainda me lembro ter conhecido uma brasileira frigida.
Ainda me lembro ter encontrado clandestinamente Manuel Alegre em Paris (clandestino, ele).
Ainda me lembro ter falado com o Pinto Balsemão.
Ainda me lembro ter militado, de ter vendido jornais aos imigrantes no mercado da rue de Bretagne num inverno frio como o carago.

Ainda me lembro...