25 março 2011

Ti Dó e Ti Du



A Tidó e o Tidu moravam do outro lado do patamar.

A Tidó era a mãe do Tidu.

Como já disse o 93 tem a forma de um bacalhau sem rabo, os apartamentos do lado direito são maiores do que os do lado esquerdo. Eles moravam do lado esquerdo.
Naquela altura, eu era mesmo muito pequeno, a casa do meu avô tinha muitas visitas. Os adultos encontravam sempre uma ocasião para se encontrarem. Assim a Tidó e o Tidu iam muitas vezes lá a casa.

O apartamento deles era muito pequeno. Um corredor, ao fundo uma cozinha minúscula e um quarto de banho ainda mais pequeno. Água quente não havia. Para o lado da rua havia, ao fundo a sala de jantar.

Dois quartos completavam as divisões.

O Tidu trabalhava perto, na rua do Rosário, num armazém. A Tidó tinha trabalhado num consultório.

Ainda me lembro de, duas ou três vezes – ao domingo - termos feito piqueniques à beira de um riacho. Íamos no carro do Tidu e no carro do meu tio. Toda a tribo cabia no Austin e no DeSoto. Tachos embrulhados em jornais e mantas enchiam as bagageiras. As viagens eram longas embora os quilómetros fossem poucos, não porque houvesse muito trânsito de carros. O meu avô vestia o seu fato cinzento e esquecia a gravata em casa. Depois do arroz à valenciana eu dormia uma sesta. O regresso a casa era ao fim da tarde. Era preciso chegar antes das oito.

A Tidó tinha medo de um incêndio no prédio, por isso tinha uma corda debaixo da cama. Nunca consegui imaginar a Tidó, assim gordinha a amarrar a dita corda a uma perna da cama e, subindo para o parapeito, fazer a descida dos 4 pisos.

Naquela altura as pessoas trabalhavam ao sábado como em qualquer dia da semana. Como não tinha água quente em casa, o Tidu, aos domingos de manhã, com o sabão e a toalha debaixo do braço, ia tomar banho ao balneário do Hospital de Sto. António.

O Tidu singrou na vida. Com um primo abriu um armazém só deles. Certo dia mudaram-se para uma casa longe. A minha avó continuava a falar ao telefone com a Tidó mas deixámo-nos de frequentar amiúde. O Tidu já tinha trocado o Austin por um Volvo corcunda.

A Tidó foi sempre Tidó, o Tidu transformou-se em Tio Júlio.

A Tidó, com sessenta e tantos anos, foi para Agramonte no mesmo ano em que o meu avô foi para o Prado do Repouso. Só nesse dia conheci o pai do Tidu. Um senhor magro, pequeno, cheio de rugas e tímido que estava assim um pouco à margem daquela gente toda. 

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