26 maio 2011

A violoncelista careca

Pormenor de "La Suggia" de Augustus John

A minha avó tinha uma amiga de juventude, Irene como ela, que era violoncelista.

Certa vez, ela veio ao Porto e ficou lá em casa. Eu devo ter ido dormir para o quarto dos meus pais para ela e o marido ficarem na cama de corpo-e-meio que me estava atribuída.

Já não sei quanto tempo ficaram, pouco, penso. A minha avó tinha dado ordem para acrescentar mais disto e daquilo nas refeições e, acrescentando mais uma tábua à mesa, cabia toda a gente.

A D. Irene era toda alegre e saltitante, eu bem olhava para os cabelos loiros mas ela nunca os perdeu. Também não sei onde tinha ficado o violoncelo. Não tenho ideia de o ter visto. Naquela altura não eram assuntos que chegavam às minhas orelhas de criança. O certo é que tanto ela e o marido ocuparam o meu escasso espaço de brincadeira.

Já não me lembro do nome do marido. Ela chamava-o de Licas. Como  ainda estávamos no período de transição da água parada para o da água corrente, quando ela ia ao quarto de banho, antes de puxar a corrente do autoclismo, perguntava sempre: “Ó Licas, queres cá vir?” num ritmo muito teatral.

Depois lá partiram para a capital para ela continuar a tocar na orquestra da Emissora Nacional.

De quando em vez, alguém se lembrava da estadia dos dois no terceiro andar e ao sair do quarto de banho relançava a frase. Eram cinco ou seis minutos de risota.
 

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