25 outubro 2012

Cronologia

Jorge Amado - 1966
José Saramago - 1985

311012

20 agosto 2012

Cronologia - 1956






Naquele tempo, o autor destas linhas era um aluno bem aplicado e com bom comportamento!

Obrigado D. Joaquina de Almeida Costa. Obrigado Venerável Ordem do Carmo!


09 agosto 2012

Cronologia - 1974




Como no ano de 1974 eu estava longe da cidade continuava a ser sócio do Futebol Clube do Porto como sócio Correspondente. E era um número relativamente baixo para a altura. A cota dava para uma só entrada anual - e bastava, eu na altura não vinha ao Porto e muito menos ao Estádio das Antas.

26 maio 2012

B I







com muita amargura nos meus bolsos (pois a alma a perdi há muito) decidi, hoje, afastar-me definitivamente do meu B 

I (Bilhete de Identidade)

cartão de utente, cartão de contribuinte no bolso. 
alegremente me dirigi até aos serviços competentes onde, habitualmente, eu ia tratar do meu simples estado civil e 

das obrigações decorrentes - ali prós lados da Trindade.

Adeus B I - Viva o Cartão do Cidadão, vou ser um cidadão novo, informatizado, normalizado!

e eis que ... espanto meu, ao anunciar o código postal! não. eu não sou freguês de Cedofeita (nado na minha 

freguesia) mas habitando uma freguesia outra!

reclamo, finco o pé! Sou de Cedofeita (carago!)

afirmo a minha qualidade de morador cedofeitense!
a senhora espanta-se, diz que não tenho razão. respondo-lhe de das ruas do Porto sei eu (e não lhe contei o resto)!
Mobilizam-se 3 funcionários para confirmar UM código postal.

recuso a burocracia, quase que guardo os documentos na algibeira!

a internet reacende a confusão. Diz o contrário do sistema de catalogação do cidadão.

pânico do lado da administração!

mas eu sei onde voto! quero continuar a lá votar!

um momento - diz a "menina" que digitava com o sistema-nacional da cidâdania!

(resumo o episódio, senão já é amanhã e eu ainda aqui estou).

Tive direito em conhecer o chefe em pessoa, em me sentar à sua frente na cadeira reservada aos visitantes (de simili-couro).

tive o direito de esperar que um senhor em Lisboa atendesse. 

tive o direito de esperar que o senhor em Lisboa confirmasse que a minha simples morada (una e indivisível) pertencia 

a DUAS freguesias. (não me digam que a fronteira das freguesias portuenses passa entre o segundo e o terceiro andar do edifício!)

tive o direito a ser informado que era (sem dúvida - digo eu) um erro informático!

tive o direito a que me pedissem desculpa!

tive o direito a ser convidado a passar no mesmo local daqui a uma semana - o problema já deve estar resolvido!

tive o direito a ficar a saber a razão da falta de produtividade da Administração!

fiquei a saber para que serve o centralismo administrativo!

mas porra! serei o único tipo neste caso?

isto só acontece com o prédio onde eu moro? - e as outras pessoas? não se importam ou não querem saber?

fiquei a saber porque houve (e haverá) tantas complicações nos actos eleitorais!

Sou de Cedofeita, carago!

(história veridica passada comigo, hoje 24 de Maio de 2012)

e não precisei do Kafka....

e nem é o aniversário de 28 de Maio!




18 maio 2012

TGV, Linha do Tua e bitolas






Na linha do Tua nunca andei! De comboios percebo pouco. Mas de TGV já tive a oportunidade de andar várias vezes.

É verdade, em toda a minha vida pouco andei naquilo que tradicionalmente chamam combóios. A linha do Tua não conheço, mas conheci os velhinhos comboios da linha do Sabor que nos idos anos sessenta me depositavam na estação de Caminho de Ferro distanciada de 5 kms de Mogadouro. As carruagens eram vetustas. A viagem a partir do Porto era uma aventura que durava um dia. Os carris seguiam as  encostas. Comia-se aquele fumo negro que saía da locomotiva. Fechavam-se as janelas na hora da merenda. Mas o puto que eu era revivia os filmes do Far West americano visto nos filmes do "Carlos Alberto".

Tinha para aí os meus 18, quando encontrei um homem que conhecia coisas de comboios e de caminhos de ferro, vinha de África e dizia que os comboios eram rentáveis por causa das mercadorias, não por causa dos passageiros, lá onde ele vivia e trabalhava. E sabia que era necessário fazer a manutenção do material e sabia que era preciso fazer a actualização das vias. De comboios percebo pouco mas visitei na altura Campolide e o Barreiro com ele. Esse homem que vinha de Moçambique e que conhecia os comboios era o meu pai.

A linha do Norte conheci para ir até Espinho ou até à Aguda durante as férias, também naquele ano que passei na tropa para chegar a Lisboa ou ao Entroncamento. Mas de comboios percebo pouco. Outrora ainda existiam as três classes. Mas não eram o Povo, o Clero e a Nobreza! Já tinhamos sido República e éramos assim uma coisa mal amanhada chamada Estado Novo que cheirava a bafio. Ia eu dizendo que havia três classes. A velocidade era a mesma, só havia a diferença nos assentos, variavam do pau até ao tecido com a napa (quente no Verão) no meio. Depois de uma viagem até Paris, soluçando em vários comboios espanhóis, também conheci as "couchettes" do Sud-Expresso com e sem odores mais ou menos fortes, com gréves em Vilar Formoso e viagens memoráveis. Horas e horas que nunca mais passavam.

De bitolas para isto e para aquilo conheço e sei que servem para facilitar o trabalho repetitivo. Até um dia inventei uma bitola para conseguir facilitar o posicionamento de fotografias nos acrílicos. Quando o disse ao Sérgio, ele olho para mim e perguntou o que era uma bitola. Mas estamos nas bitolas dos comboios! Creio que a bitola Europeia já chega a Sevilha desde 1992. AVE ou TGV a bitola europeia já há vinte anos que está pertinho de nós, e nós mais pertinho da Europa. 

Esperamos sempre tempo demais. Esperamos que descarrilem comboios e que os carros não se atravessem nas passagens de nível. Esperamos que inundem a linha do Tua para chorar o que nunca foi rentável. Queremos a linha do Sabor para o ferro de Moncorvo quando temos o transporte fluvial. Passamos o tempo a olhar para trás,  com os olhos postos na América e a esquecer o nosso interior e a Europa.

Bitolas ainda: o Caso mais flagrante que conheço é o da bitola do porto de Ponta Delgada. Aquela linha de caminho de ferro que quando foi construída já estava condenada a não servir para mais coisa nenhuma, que nunca teria evolução possível. Que bom investimento!




02 abril 2012

Le jardin du ginkgo célibataire



Il était tranquille sur le banc du jardin. Il avait été un hiver particulièrement doux. Le soleil, les cris d'enfants qui crapahutaient à coté de leurs mères, lui chauffaient l'âme.
  
Jadis, gosse, le jardin était près de chez lui, c'était naturel y venir accompagné par la famille, plus tard par des copains de classe. C'est vrai que l'espace n'avait pas de caractère, il n'avait pas non plus de tranquillité. C'était un mouvement dingue autour du petit lac où se baignaient trois couples de canards maussades. Dans son temps, ça se passait autrement, il y avait moins de transports dans la ville, les gens y allaient à pied. 

Mais l'homme y venait, parfois, quand la  météorologie ne  lui empêchait pas de le faire. Il traversait les vieux quartiers de la ville pour s'y rendre, il observait les changements des gens et des immeubles. Il avait une attirance, un penchant pour ce lieu. C'était comme dans le présent il existait encore, en partie, son passé. 

Maintenant il y avait le temps pour lui. Des jours il tournait deux ou trois fois jusqu'à trouver la place idéale, sans soleil et, surtout, sans voisins. Il n'aimait pas se confier à des inconnus, il aimait pouvoir s'oublier sur les pages du bouquin qu'il sortait de sa poche. S'il portait son histoire il la portait pour lui et avec lui, ce n'était pas partageable. 

À l'occasion, ses yeux quittaient le livre. Son regard partait vers le séquoia qui vieillissait mal ou vers le ginkgo célibataire qui se trouvait presque sur l'arrêt de bus. Le livre restait ouvert. Là, il se fabriquait, comme presque dans un  songe, l'histoire. Pendant des semaines, petit à petit, (situation à situation), il construisait, un petit bout à chaque fois, l'histoire qu'il allait raconter a ses petits-enfants, soit à Noël, soit à Pacques chez son fils.

On ne saura jamais si c'était la lumière, si le vent, mais jamais à la même heure il abandonnait son assise. Sans doute, aussi, il allait grignoter quelque chose quelque part. Il partait avec quelques rayons de lumière du coté gauche. 

Sans doute personne ne l’attendait chez lui. 


....
Conçu et élaboré pas loin du jardin du Carregal à Porto, le 14 mars 2012.

01 março 2012

Ainda me lembro...

Ainda me lembro da Alfaiataria Infantil.
Ainda me lembro da Butte Rouge em Châtenay- Malabry.
Ainda me lembro da cara da minha primeira namorada.
Ainda me lembro da Charlotte nos joelhos de Serge Gainsbourg.
Ainda me lembro da Dominique que falava russo na Checoslováquia ou em Shiofok.
Ainda me lembro da dona Irene da Escola Italiana.
Ainda me lembro da fábrica Citröen no quai de Javel, com aqueles operários adormecidos que viajavam comigo no metro.
Ainda me lembro da fábrica da rua da Torrinha.
Ainda me lembro da festa que foi quando o primeiro televisor chegou à casa onde eu vivia.
Ainda me lembro da gata da Fernanda.
Ainda me lembro da irmã do Artur Jorge que andou comigo na escola infantil.
Ainda me lembro da irmã do Pinóquio que encontrei num Congresso de Professores.
Ainda me lembro da Loja do Manuel da Fonte.
Ainda me lembro da senhora Emília da Aguda.
Ainda me lembro da luta contra as caniças na praça de Monjustin.
Ainda me lembro da Marie-Jo.
Ainda me lembro da minha sogra com o xelique.
Ainda me lembro da moto da Katell.
Ainda me lembro da mousse de chocolate do Frederico de Mafra.
Ainda me lembro da palmatória que usava a minha professora.
Ainda me lembro da Piscina de Châtenay- Malabry.
Ainda me lembro da Place de la Réunion em dias de mercado.
Ainda me lembro da porta da cozinha da casa da minha madrinha.
Ainda me lembro da primeira vez que cheguei a Vila Real.
Ainda me lembro da primeira vez que cheguei à gare de Austerlitz.
Ainda me lembro da Ribeira ser uma zona pobre e não uma zona para atrair turistas e onde se encontram todos aqueles que se julgam "IN".
Ainda me lembro da São em Bordeaux.
Ainda me lembro da sobrinha neta do Tolstoi que era a amiga do camionista.
Ainda me lembro da Solidariedade de Creteil.
Ainda me lembro daquele sino de igreja que tocava de quarto em quarto de hora.
Ainda me lembro das despedidas nas gares de caminho de ferro.
Ainda me lembro de ir comer ao restaurante universitário de Vincennes.
Ainda me lembro de ter comido na cantina do pessoal em Orly.
Ainda me lembro de ir telefonar para santa bárbara pois o telemóvel não tinha rede em Sabrosa.
Ainda me lembro de ter brincado com a solidão.
Ainda me lembro de ter conhecido a fome no meu estômago.
Ainda me lembro de ter conhecido mulheres mal-amadas.
Ainda me lembro de ter encontrado chilenos reconfortados.
Ainda me lembro de ter namorado ao telefone com mulheres desconhecidas.
Ainda me lembro do foyer da rue de Vaugirard.
Ainda me lembro do tempo em que andar de avião , ou era um luxo ou uma aventura.
Ainda me lembro da ultima vez que fui a Paris.
Ainda me lembro daquela fabriqueta de raviolis perto da avenida da Opera.
Ainda me lembro daquela festa fabulosa na praça da Bastilha em Maio de 1981.
Ainda me lembro daquela freira que era pintora da construção civil.
Ainda me lembro daquela judia que abandonou tudo e que foi como enfermeira para Israel durante a guerra dos seis dias.
Ainda me lembro daquela noite na gare de Fuentes de Onoro. (onde está o ~?)
Ainda me lembro daquela porteira da rua Raymond Losserand.
Ainda me lembro de certos momentos que passei na tropa.
Ainda me lembro de ter estado em Tancos num verão quente.
Ainda me lembro daquela romena que se sentou à nossa mesa e que falava português.
Ainda me lembro daquela vez que atravessei o Palácio da Justiça de Paris pela primeira vez.
Ainda me lembro daquelas cuecas azuis diante dos meus olhos, quando me despertavam.
Ainda me lembro daquelas semanas que passei em Santa Margarida.
Ainda me lembro daquele bordel na Vila Praia da Vitória.
Ainda me lembro daquele cabo que me contava a história de Angra do Heroismo nos momentos livres que passávamos a fumar no paiol.
Ainda me lembro daquele carimbo falso feito na rue Pernety.
Ainda me lembro daquele cinto da Mocidade Portuguesa que tinha um S mal soldado.
Ainda me lembro daquele dia de chuva, em Novembro, quando passei o exame de condução.
Ainda me lembro daquele eléctrico maravilhosamente moderno que era o "quinhentos".
Ainda me lembro daquele ex-padre que se casou com uma ex-freira.
Ainda me lembro daquele filme no Caveau de la Huchette.
Ainda me lembro daquele local da CFDT na Rue du Chateau.
Ainda me lembro daquele ministro que comia na cantina com os funcionários da câmara.
Ainda me lembro daquele presidente da câmara que nunca comia com os funcionários na cantina.
Ainda me lembro daquele responsável de parque de campismo, que quando soube que eu era português começou a gritar: "Cunhal, Cunhal.".
Ainda me lembro daquele vazio que existia no sítio dos Correios.
Ainda me lembro daqueles corredores frios e sonoros do quartel em pleno convento de Mafra.
Ainda me lembro daqueles pretos a falarem português no "Le Buci".
Ainda me lembro das bebedeiras na base das Lages.
Ainda me lembro das cheias do rio Douro que punham os moradores de Miragaia com os móveis molhados.
Ainda me lembro das folhas do jornal de noticias a servirem de papel higiénico no quarto de banho do tio António.
Ainda me lembro das freiras só andarem de hábito na rua.
Ainda me lembro das lâmpadas de 110 volts.
Ainda me lembro das ruas do Porto estarem desertas à noite.
Ainda me lembro de algumas pessoas que não vejo há mais de 30 anos.
Ainda me lembro de algumas pielas.
Ainda me lembro de andar aos pontapés na bola no estádio da Constituição e num terreno junto ao Prado do Repouso.
Ainda me lembro de boicotar os produtos da Africa do Sul.
Ainda me lembro de certas praias com um grande areal.
Ainda me lembro de comprar cigarros avulso na rua dos Mártires.
Ainda me lembro de crianças com saturnismo em Paris.
Ainda me lembro de ir a Fátima com muita devoção.
Ainda me lembro de ir a Valverde em cima de um burro.
Ainda me lembro de ir à missa com muita atenção todos os domingos.
Ainda me lembro de ir comer Bacalhau ao "Chez Albert"., rue Mazarine.
Ainda me lembro de ir comer uma francesinha ao Cardoso de Vila Real.
Ainda me lembro de ir da Aguda a Espinho a pé porque as moedas eram poucas.
Ainda me lembro de ir de eléctrico até à praia de Leça, onde havia um castelinho plantado no meio da praia.
Ainda me lembro de ir jogar ao pião para o jardim do Carregal.
Ainda me lembro de ir namorar para a praia.
Ainda me lembro de ir todas as noites ao Estrela.
Ainda me lembro de jogar ao King com (contra) o Osvaldo, na Aguda.
Ainda me lembro de jogos de futebol nos quais o Matateu rematava e o Barrigana defendia.
Ainda me lembro de l'Armoise.
Ainda me lembro de jogar ao King na casa do Ernesto, na Aguda.
Ainda me lembro de manifestar diante a embaixada do Chile contra o assassinato de Allende.
Ainda me lembro de me ter rido dos vivos.
Ainda me lembro de não pagar IRS.
Ainda me lembro de não ter assistido à chegada do primeiro homem à Lua.
Ainda me lembro de não ter cabelos brancos.
Ainda me lembro de não ter frio quando tomava banho na praia da Aguda.
Ainda me lembro de não ter ido ao funeral do Sartre.
Ainda me lembro de não ter tempo para ter tempo para mim.
Ainda me lembro de passear pelos telhados da Sé depois de passar pela oficina do sapateiro.
Ainda me lembro de procurar as estrelinhas no empedrado à volta do soldado desconhecido.
Ainda me lembro de só haver duas pontes entre o Porto e Gaia.
Ainda me lembro de ter alugado um fato no Valverde.
Ainda me lembro de ter atravessado a Barra em S. Jacinto.
Ainda me lembro de ter ido em mula até Valverde.
Ainda me lembro de ter comprado uma máquina de lavar nos "Magasins du Louvre".
Ainda me lembro de ir a fátima já sem devoção nenhuma.
Ainda me lembro que o meu pai me convidou a ir viver para a África do Sul.
Ainda me lembro que passei umas horas na pide do Porto.
Ainda me lembro de ter atravessado o Marão sem nevoeiro.
Ainda me lembro de ter bebido pirolitos na senhora da saúde.
Ainda me lembro de ter chegado a Paris numa manhã com as ruas cheias de neve.
Ainda me lembro de ter chorado os mortos.
Ainda me lembro de ter chorado porque o meu pai me tinha dado uma coça.
Ainda me lembro de ter encontrado, por acaso, o Carneiro num banco de Peniche.
Ainda me lembro de ter falado com a Madame Miské.
Ainda me lembro de ter feito amor num laboratório de fotografia.
Ainda me lembro de ter frieiras no inverno.
Ainda me lembro de ter frio nos cabelos.
Ainda me lembro de ter fumado um charro em Peniche.
Ainda me lembro de ter ido a uma festa à Ponte da Pedra.
Ainda me lembro de ter ido buscar o Manel ao quartel de Tomar.
Ainda me lembro de ter ido reconhecer um corpo à morgue.
Ainda me lembro de ter ido tirar a minha primeira carte de séjour num local infecto boulevard Ney.
Ainda me lembro de ter ido ver o Carlos Paredes tocar num festival de Vilar de Mouros.
Ainda me lembro de ter ido ver uma revista ao Parque Mayer.
Ainda me lembro de ter ido visitar o cemitério russo de Sainte Geneviève des Bois e depois de lá ter feito um piquenique.
Ainda me lembro de ter ir ao café para ver televisão.
Ainda me lembro de ter jogado bilhar.
Ainda me lembro de ter lido a Vida Mundial com o meu avô
Ainda me lembro de ter lido o Grito do Povo.
Ainda me lembro de ter morado em Abrantes.
Ainda me lembro de ter olhos e vontade para fotografar.
Ainda me lembro de ter ouvido, ao vivo, o Zeca Afonso.
Ainda me lembro de ter passado o dia dos meus quarenta anos nos estados unidos.
Ainda me lembro de ter passado vários anos sem me sentar numa cadeira de barbeiro.
Ainda me lembro de ter recebido um cheque dos impostos franceses.
Ainda me lembro de ter recusado "champanhe" porque estava cheio de sede.
Ainda me lembro de ter seguido na televisão o funeral de "Tonton" Mitterrand.
Ainda me lembro de ter tido piolhos.
Ainda me lembro de ter tido vontade de visitar a Albânia.
Ainda me lembro de ter transportado uma cadeira numa mala.
Ainda me lembro de ter visitado o cemitério judeu de Praga.
Ainda me lembro de ter votado em 1969.
Ainda me lembro do Abrantes do Carmo.
Ainda me lembro dos amigos que passavam pela rua de Rivoli.
Ainda me lembro dos balneários da rue du Four.
Ainda me lembro dos Carnavais dos Fenianos.
Ainda me lembro que falei, face a face, com o Vinicius de Morais.
Ainda me lembro de um São João na avenida da Boavista.
Ainda me lembro de ver sem óculos.
Ainda me lembro de Vitruve com o Jean-Marc.
Ainda me lembro do 25 de Abril ouvido numa rádio em Montrouge.
Ainda me lembro de ter pedido um autógrafo ao Jorge Amado numa sala vazia.
Ainda me lembro do Adriano Correia de Oliveira a cantar nas escadas do Palácio de Justiça.
Ainda me lembro do café Rialto com os frescos do Abel Salazar.
Ainda me lembro do Carlos Alberto ser um cinema popular, onde passavam coboiadas.
Ainda me lembro do colégio alemão ter somente um muro a separá-lo da sinagoga do Porto.
Ainda me lembro do De Gaulle ter dito: "Vive le Quebec libre".
Ainda me lembro do dia em que foi anunciada a morte de Pompidou.
Ainda me lembro do dia em que Salazar morreu.
Ainda me lembro do tio Rosinha.
Ainda me lembro da minha bisavó.
Ainda me lembro de ter ficado doente por ter bebido laranjada.
Ainda me lembro do Espirito Santo a fazer um jornal num antigo talho dos Halles.
Ainda me lembro do Gama a falar na piscina do Técnico em 69.
Ainda me lembro do Julio Resende não morar em Gondomar.
Ainda me lembro do Mário Viegas a declamar num palco em Paredes na "primavera" de 1969.
Ainda me lembro do Matateu ter arrumado as botas pelo Belenenses.
Ainda me lembro do meu avô me contar histórias fabulosas da sua estadia em Marrocos.
Ainda me lembro do meu pai fazer uns tantos quilómetros para passar um dia de aniversário comigo - coisa que não lhe acontecia há muito tempo.
Ainda me lembro do Nuno ir namorar para a piscina da Granja enquanto a Isabel tomava conta das meninas da Mocidade Portuguesa.
Ainda me lembro do odor do metro de Paris que, por vezes, me fazia lembrar o do eléctricos do Porto.
Ainda me lembro do olhar daquela Louise (trotskista) sobre as minhas botas quando soube que eu era desertor.
Ainda me lembro do olhar duma minha ex-namorada.
Ainda me lembro do Pacheco Pereira ser jovem.
Ainda me lembro do Palácio de Cristal com uma velha estrutura de vidro e de ferro.
Ainda me lembro do Pedro a atirar um caixote do lixo à cabeça dum pide.
Ainda me lembro do "Porto" do Sebastião Ribeiro.
Ainda me lembro do primeiro dia em que fui para o liceu.
Ainda me lembro do rei de Espanha viver exilado em Portugal.
Ainda me lembro do Said de Courbevoie.
Ainda me lembro do Salão Silva Porto.
Ainda me lembro do senhor Joel do Ciborro.
Ainda me lembro do senhor Saul dos Bombeiros.
Ainda me lembro do tempo em que Artur Jorge jogava futebol.
Ainda me lembro do tempo em que era casado.
Ainda me lembro do tempo em que não existia o IVA.
Ainda me lembro da avó Perpétua.
Ainda me lembro do tempo em que o Manoel de Oliveira não fazia filmes chatos.
Ainda me lembro do tempo em que os rapazes e as raparigas não podiam estudar na mesma sala.
Ainda me lembro do tio João ir a uma casota ligar o gerador da casa dele.
Ainda me lembro do Vasco a desenhar para o Jornal Português.
Ainda me lembro do Vitor Alves como comandante de companhia em Mafra.
Ainda me lembro dos amigos da associação dos portugueses de Colombes.
Ainda me lembro dos Austins A40 a circularem.
Ainda me lembro dos bilhares do Café Palladium.
Ainda me lembro dos cafés de Paris completamente desertos à noite, pois toda a gente estava diante dos televisores a ver a guerra do Golfe.
Ainda me lembro dos eléctricos que passavam na rua de Cedofeita.
Ainda me lembro dos moinhos da Apúlia.
Ainda me lembro dos "piratas" dos Restauradores.
Ainda me lembro dos "poinçonneurs" no Metro de Paris (como na canção de Gainsbourg).
Ainda me lembro dos profetas da Caparica.
Ainda me lembro dos putos malucos num restaurante da Torreira.
Ainda me lembro dos refrigerantes da Gruta da Lomba.
Ainda me lembro dos socorros aos naufragos plantados numa duna na praia da Aguda.
Ainda me lembro dos trolleys que iam para Gaia.
Ainda me lembro duma viagem de comboio pela linha do Sabor.
Ainda me lembro em que prédio o Mário Viegas morou na rua Miguel Bombarda.
Ainda me lembro onde vi pela primeira vez o Couraçado Potemkine, na rua de Monsanto.
Ainda me lembro que a Leitura se chamava Divulgação.
Ainda me lembro que comprei uma quota num cinema.
Ainda me lembro do sindicato dos professores na rua das gaivotas.
Ainda me lembro do tempo em que as cooperativas culturais tinham razão de ser.
Ainda me lembro que conheci uma tipa chamada Obdulia!
Ainda me lembro que encontrei juguslavos felizes.
Ainda me lembro que existiam a Cortina de ferro e o muro de Berlim.
Ainda me lembro que houve um cardeal com nome próximo de ginja.
Ainda me lembro que Paranhos era no fim da linha oito.
Ainda me lembro que, em momentos dificeis, encontrei amigos.
Ainda me lembro ter conhecido uma brasileira frigida.
Ainda me lembro ter encontrado clandestinamente Manuel Alegre em Paris (clandestino, ele).
Ainda me lembro ter falado com o Pinto Balsemão.
Ainda me lembro ter militado, de ter vendido jornais aos imigrantes no mercado da rue de Bretagne num inverno frio como o carago.

Ainda me lembro...

23 fevereiro 2012

Demoiselles


imagem publicada aqui


Sob este título publiquei há poucas horas um comentário num blogue que costumo ler.

Em si, o comentário traz pouca coisa ao assunto principal mas decidi publicá-lo aqui pois a preguiça tem sido alguma para alimentar este meu blogue.

"Tratamentos e "usages"

Não me apraz muito ter que voltar aqui com os meus comentários.

Na verdade, mais uma vez, usei demasiado da provocação. Agora tenho que a defender.

1. As Mademoiselles - há aquelas que admiro, como a Deneuve, e aquelas que ... enfim, digo que não pertencem  ao meu mundo, como a Chanel; por questões óbvias, mas ambas marcaram a minha existência. Agora, a nossa dificuldade de querer traduzir situações pessoais é (era) menos evidente.

2. As Demoiselles continuarão a existir, não nos preocupemos muito. Talvez daqui a uns anos terão o mesmo lugar na língua comum dos Demoiseaux.

3. Duas historinhas, que talvez apareçam noutro sítio:

a. Durante anos morei no 186. Prédio burguês, centro da urbe, metro a duas pernadas da "porte cochère". A minha companheira era descendente de uma pessoa conhecida por todos os antigos habitantes. Acesso por uma das escadas de serviço (daquelas onde se encontra uma porta esconsa de dois em dois andares). Duas solteironas como vizinhas (tratamento a que me dá direito actualmente a minha idade) no primeiro andar vivia a Madame C. - mulher dinâmica que preferia passar alguns dos meses do ano longe do seu domicílio. A outra, toda a gente a tratava de Mademoiselle L. muito digna, encontrava-a quase no quotidiano a subir até ao seu "deux pièces" no quinto, ia à missa a Saint Roch e era voluntária Maltesa (não porque lesse o Hugo Pratt, mas porque visitava hospitais). Mesma situação, mas tratamentos diferentes.

b. Ficar com o nome. Durante anos, ao ler determinados documentos oficiais, aparecia o meu nome seguido pela menção "époux D." nunca me preocupei.
Era a maneira de me distinguir de outra eventual pessoa que tivesse o meu nome. Não estava escrito na minha testa, não aparecia nos meus documentos
oficiais (aquelas chatas "Carte de séjour"), não me incomodava. Mas como os momentos da vida são efémeros assim como as ligações (por menos perigosas que o possam ser), um dia apareceu a ruptura. Hélas! Antes de comparecermos diante do advogado, C tinha pedido para conservar o Dias, profissionalmente era conhecida assim. Claro que nada tive a opôr. Também tinha essa opção mas como eu nunca a utilizei, não usufrui posteriormente.


...

Durante anos e anos que vivi em França nunca pensei nessa hipótese. Também me casei sobre o tarde, e nessa altura não seria pelo facto de usar o nome da minha esposa que modificaria a minha inserção (e não integração) na sociedade em que vivia. 

Não prescindo de ter um olhar diferente, ainda hoje (agora aqui) apesar de todas as memórias, de todos os kilómetros percorridos, sou um homemque vive no seu espaço e no seu tempo, mas, de certeza absoluta, com uma vivência diferente de muitos daqueles que me conhecem.

p.s.: quem passa sob a chuva, fica molhado. Uns secam mais depressa o que outros, mas as cicatrizes da chuva nunca desaparecem."

Já agora, só para relembrar: o tema principal deste assunto é a posição da mulher na sociedade, a maneira como é vista pelos outros. Isso também nos poderia levar a levantar a lebre do "reconhecimento" do casamento que está tão ancorado na maneira de pensar portuguesa. É bom lembrar que em França existe o PACS (Pacte civil de solidarité) que, a meu ver, demonstra que podem existir outras maneiras de oficializar uma união entre duas pessoas. Evolução da sociedade, evolução da burocracia e reconhecimento igualitário de duas pessoas que assumem uma relação.

16 julho 2011

O Óscar da embalagem

imagem daqui via Google

Ainda agora estive a abrir uma daquelas embalagens de presunto fatiado. Conscienciosamente tinha olhado para o código do país de origem – Espanha. Não tinha escolha e, ainda por cima, estava dado como tendo dez meses de cura!

Num canto da embalagem, lá estava a flecha torcida a indicar que era por ali que se devia começar a operação. Era uma embalagem sob pressão. Mais do que pressão tinha o plástico envolvente, estava vulcanizado. E a lingueta de tão reduzida superfície que não dava para segurar com os dedos. E era espanhol, as embalagens nacionais ainda são mais reticentes!

Desisti da fase manual! Era necessário passar à fase com ferramentas. Foi aí que me lembrei do “Óscar da Embalagem” – concurso nacional que conhecera em França nos anos setenta.

Não tínhamos televisão mas o rádio dava as notícias e a música ouvia-se num gira-discos (não era um Teppaz), mais tarde num gravador a cassettes comprado ali no Boulevard Sebastopol, em frente à FNAC. E na rádio passava um “spot publicitário” da Herta, penso eu, em que várias vezes por dia nos relembrava que o fiambre embalado tinha ganho o célebre “Óscar da Embalagem”. E eu sorria, quase sempre, achando idiota como argumento de venda. Afinal era tão simples abrir qualquer embalagem de plástico com os dedos, não era necessário comprar Herta.

Hoje, pensando no assunto, já não sorrio. Pergunto: falta de tecnologia? Falta de imaginação? Ou, simplesmente, ainda não conhecemos o que já existe? Estes pequenos incidentes do quotidiano dão que pensar. Estaremos assim tão longe da Europa? Hoje em dia, já não podemos argumentar que os Pirenéus são uma fronteira. Os Boeings e os Airbus até passam longe.

Hoje, aqui em Cedofeita, século XXI. Lamento não termos um Jerónimo ou um Belmiro ou um António da Embalagem!

Depois da faca bicuda, utilizei a tesoura de cozinha. Mesmo assim a folha superior da embalagem ficou rasgada em vários pedaços. Quarenta anos depois. Quase me rio da minha ingenuidade no que dizia respeito à ergonomia na vida caseira.   

06 julho 2011

O largo do Viriato e as corridas de automóveis


Às vezes, muitas vezes, as imagens apagam-se da memória com o passar do tempo.

Há muitos anos que conheço, por lá passar, o largo do Viriato.

Passei por lá, miúdo, para ir fazer o exame da terceira classe na Escola da rua da Bandeirinha (sim, no meu tempo, havia a maioria dos alunos do primário que faziam um exame na 3ª classe do ensino primário).

Passava lá, também, quando por alguns meses frequentei a escola italiana no pré-primário.

Passei lá a pé, de eléctrico, de automóvel. De baixo para cima, de cima para baixo. A ir da Árvore para o Cineclube, ou no sentido inverso. Tinha amigos que trabalhavam na repartição de Finanças que se situava lá. O Rui M. chegou a morar naquela casa que fazia esquina com a rua da Restauração. Lembrava-me que a certa altura aquele largo estava cheio de carros em estado de degradação.

Mas não me lembro mesmo nada de lá ter existido uma oficina. Há coisas destas que se apagam da nossa memória.

Eu pensava que conhecia o largo do Viriato quando lá passava para fotografar o jacarandá (o grande, aquele que deixaram secar, não este que agora lá se encontra).

Aqui há tempos descobri no Auto Foco um artigo onde se faz referência a esta oficina. E, ao que parece era mais do que uma simples oficina, pois até participava na construção de automóveis de desporto (OLDA). (ver imagem)

Eu sabia que o Porto era uma cidade ligada ao automobilismo. Também sabia que os carros “Palhinhas” eram preparados ali para do Campo Lindo, que a fábrica dos produtos Estrela tinha apresentado bólides nas corridas da Boavista e que de Albergaria tinham vindo os ALBA. Mas não sabia que os OLDA nasciam ali tão perto da rua onde eu nascera.

O largo do Viriato não se situa em Cedofeita, mas na vizinha freguesia de Miragaia.