O outro dia, li num jornal que me chegou às mãos que um grupo de jovens lisboetas divulgavam o cinema apresentando nas ruas da baixa pombalina filmes sobre um lençol.
O outro dia, ouvi um senhor com mais de 80 anos dizer na apresentação de um livro: Não estão cá os PIDES! A maioria das pessoas que lá estavam já tinham cabelos brancos, mas também havia bastantes jovens.
São dois momentos distantes no tempo. Mas ainda há gente que se lembra de um tempo em que era difícil muita coisa, mesmo ver cinema.
Agora é simples, é muito mais simples do que na segunda metade dos anos sessenta.
Agora, depois do café, de preferência, para aqueles que ainda tomam café. Plasma + Leitor de DVD + colunas de som. Uma vez ligados todos os aparelhos, introdução da rodela brilhante de plástico. Depois telecomando na mão e a coisa está a correr. Para-se quando queremos, nem que seja para ir abrir mais uma vez a porta do frigorífico.
Apesar do que alguns apregoam ainda por aí, a vida era difícil, o dinheiro pouco, o telefone raro e inseguro, a liberdade pouca ou nenhuma para alguns.
A primeira vez que vi o Potemkine, filme mítico num país amordaçado.
Tinha marcado encontro com o Raul, à noite, num café, talvez o Diu ali na Carvalhosa. Ele nada me tinha dito. De autocarro ou de eléctrico, lá chegamos ao Carvalhido, ruas fora até à rua de Monsanto.
Hoje vamos ver um filme, tinha ele dito. Prédio recente, impessoal como todos aqueles que tinham crescido por aquelas bandas. Escadas de mármore, etc. A Odete abre a porta. Um estúdio pequeno, mobiliário contemporâneo. Já lá estavam o A. , marido da Odete e o Graça que eu mais ou menos conhecia das lides da UNICEPE.
Café? Não obrigado. Rapidamente é estendido um lençol na porta que dava para a cozinha. O projector (8mm?) é instalado sobre a mesa. Apagam-se as luzes.
O filme do Eisenstein começa a correr. Imagens saltitantes sobre um lençol branco e com vincos. Som não havia ainda. Bastavam as imagens e o ritmo. Cinco pessoas a absorver o proibido, o cinema em estado bruto!
Depois, algumas palavras sobre o filme, entre nós. Claro que lá fora só se podia dizer o que lia nas revistas escassas que nos chegavam. Saída para a noite, nós primeiro, o Graça mais tarde.
Foi a primeira vez que vi o Potemkine! E sem som. Mais tarde, em Paris voltei a ver cópias em 16mm e com música.
Cinema? Cinema é imagem em movimento. Cinema é ritmo. Ficaram gravadas na minha memória cenas do couraçado. Imagens de revolta. Marinheiros e luta. Mas sobretudo aquela cena da escadaria.
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