29 julho 2010

LEVALLOIS


Durante os vinte e tal anos que vivi em França vivi sempre em Paris com uma breve excepção que foi Levallois.

Já estava a trabalhar na Melexp de maneira regular e tinha obtido a “Carte de séjour” e a “Carte de Travail” – obrigado senhor Melidonian.

O Raul tinha-me arranjado um contacto com um amigo que trabalhava na MNEF. Era um tipo simpático, já não me lembro do nome dele mas um dia, mais tarde, encontrei-o nos corredores da Embaixada. Demasiado rápido para lhe poder falar.

O importante é que eu regularmente ia lá passando e ele dava-me os endereços ou os números de telefone das pessoas que alugavam quartos (o meu salário não dava para mais).

Um dia contactei uma senhora ali para os lados de Denfert. O quarto era maravilhoso e pequeno com entrada independente e tudo, serventia de cozinha e de quarto de banho, era uma viúva de um oficial do exército russo (branco). Ao fim de muitas palavras a resposta foi um grande não pois andava à procura de uma menina! Nem a consegui convencer dizendo que eu também tinha sido oficial de infantaria.

Ao fim de várias tentativas lá encontrei um quarto em Levallois na rue Camille Pelletan. Fui visitá-lo com a sobrinha da proprietária num fim de tarde outonal com um grande luar. O quarto até era grande!

Tinha para para aí um dois metros de largura por três e tal de comprimento. Sexto andar mas eu tinha boas pernas. Uma mesa e um armário. Cama não havia! Cortinas também não. O papel da parede estava um pouco sujo. Retrete? Não muito longe logo ali à mão no fundo do corredor.

Aceitei! Ao descer ela apresentou-me a Mme Truche-Mouche, a porteira como sendo o novo locatário do quarto. Pelo caminho combinámos a questão da cama. Eu comprava a cama e descontava do aluguer. Quanto ao resto tudo o que lhe interessava era receber o “mandat” pelo correio e todos os meses. Ficou o negócio fechado.

Fiquei lá alguns meses. Poucos. Tentei pôr a coisa mais ou menos em ordem. Comprei a cama (e respectivo colchão) junto à Gare de l’Est e trouxe-a de táxi para Levallois. A rue Victor Hugo estava pejada de pequenos comércios. Comprei um canivete, uns metros de plástico para servirem de cortina, uma bacia plástica (lavatório e banca), pincel e tinta na drogaria.

Aos poucos fui-me instalando. A Jo ofereceu-me alguma louça que tinha a mais e foi lá um dia e achou muito bonito, também arranjei um camping-gaz. A vista do quarto era para as traseiras, para o lado do Sena, que só adivinhava nos mapas – nunca fui até lá na altura. Tinha os comércios todos à mão. O metro Anatole France também estava a uma distância razoável para um jovem.

A semana passava com aquele ritmo costumeiro: Casa – Metro – Trabalho. No tempo livre dava uma saltada a Paris para encontrar os  poucos amigos. Ao sábado, se não trabalhava, metia a toalha, o champô e o sabonete num saco plástico e 40 passos adiante entrava nos “Bains-douches Municipaux”.

Atravessava Paris de Norte a Sul para ir até Lourmel para ir trabalhar. Já noite chegava a casa e pouca era a vontade de sair. Antes de subir fazia as compras. A lâmpada suspensa no centro do quarto era a única luz que havia à noite. Arrumava um canto da mesa para poder escrever meia dúzia de linhas à família. Um transistor fanhoso dava-me um pouco de música.

De manhã, ia buscar água ao fundo do corredor. Lavava-me, ia despejar a bacia, afastava o plástico da janela. Um grande pátio e uma magnifica vista sobre uma estação de serviço. Ao fundo chaminés de fábricas. Saía para o frio, saía para a rua. Metro. Impasse Thoréton. Boulot.



(continua)

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