O Abrantes do Carmo passava lá em casa de tempos a tempos.
Por vezes chegava e perguntava se podia fazer uma sopinha. Tirava uma couve ou três cenouras de um saco, e, desaparecendo na cozinha, confeccionava o prato que o ligava, pelo estômago, à Baixa da Banheira. Já conhecia os cantos à casa. Eu punha a mesa, tirava um camembert do frigorífico, mais alguma coisa que houvesse e lá jantávamos.
Era já o fim de dia, bateu à porta. As gatas deram logo sinal. Já era noite apesar da janela estar virada a sul.
Entrou. Naquele dia estava contente. Sentou-se, leu a carta que lhe falava da filha e da família. Eu estava sentado no divã a ler o jornal.
Pediu-me para tomar banho – sabendo de antemão que a resposta seria afirmativa. Não me preocupei mais com ele, continuei a ler “Le Monde”.
O receptáculo do chuveiro era um sistema simples que se desdobrava sobre a sanita, quase era necessário subir a um banquinho para lá entrar. Mas o Abrantes do Carmo conhecia todos os cantos da casa.
Ao virar de uma página reparo que as duas gatas estão imobilizadas à minha frente a olharem para o soalho! Também eu me ponho a observar a mancha líquida que se aproxima dos meus pés. Dou um salto, grito para ele fechar a água. Vou pegar numa serapilheira, ele sai nu com uma toalha à cinta, sem óculos, a perguntar o que foi. Os dois de cu para o ar, serapilheiras na mão lá estancamos a inundação. As duas gatas admiradas a verem aquela azáfama.
O Carlos tinha-se esquecido de tirar a tampa da sanita antes de descer a bacia do chuveiro. Mais tarde, quando ele queria tomar banho eu lembrava-lhe sarcasticamente o episódio e era um dos raros momentos em que nos riamos.
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