19 junho 2010

Memorial do Convento

1998

De repente, numa das mesas do Papa-Léguas, o Paulo diz-me: “ O senhor T.n. conheceu o José Saramago? Foi lá em Paris. Se calhar foi seu camarada.
O Paulo é um moço que sempre foi muito bem educado, tenho mesmo a impressão que foi educado pelos jesuítas, ou talvez pelos maristas, o Paulo diz sempre “o senhor” quando se dirige a mim.

Lá lhe disse que não, que eu nunca tinha sido militante do PC. Mas que tinha encontrado o José Saramago em França e que ele me tinha autografado um livro.

Não sei se o Paulo acreditou, mas que viu as quatro linhas manuscritas pelo Saramago, isso viu. Talvez ainda hoje pense que realmente fomos amigos, ou mesmo camaradas. Mas não. Também não foi numa daquelas sessões em que os autores têm que debitar muitas assinaturas ao minuto, levantam a cabeça, olham por cima dos óculos e perguntam o nome da pessoa.

Naquelas minhas andanças transmontanas, tinha deixado umas tralhas em casa do Rui. Entre outras coisas, tinham lá ficado alguns livros, um dos quais o “Memorial do Convento”. E o Rui tinha o exemplar numa das prateleiras da sua estante.

Como os dois eram amigos, sem dúvida que falaram da atribuição do prémio Nobel  ao autor português. O Rui deve ter-lhe mostrado o meu livro.

Já não sei como foi. O convite tinha chegado à escola para haver uma apresentação da classe transplantada em Villiers-sur-Marne. Talvez tenha sido uma iniciativa do Ricardo botas. O «Viens, je t’emmène au Portugal » ainda cheirava a tinta fresca – tinha saído há pouco do offset dos “Imprimeurs Libres”.

A Katell, eu e três ou quatro alunos, num sábado, lá tínhamos ido para mostrar algumas imagens e falar da “fabulosa” viagem e da classe transplantada. Talvez, na altura, o filme “Coquette la Sardine” já estivesse acabado. Na associação portuguesa estavam mais algumas dezenas de pessoas que nos ouviram com atenção. As crianças tinham vivido intensamente aquelas três semanas e conquistavam quase sempre o público.

Depois, um senhor, que estava entre nós, falou do livro que acabava de editar. Eu nunca tinha ouvido falar do José Saramago. Mas pela sua simplicidade, pela sua maneira de falar, interessou a sala. Pelo que ouvi, comprei o livro.

No fim, houve um curto diálogo entre aquele homem de capote alentejano, com idade de ser meu pai e as crianças. Os miúdos ficaram encantados. Resolvemos oferecer-lhe um exemplar do nosso trabalho colectivo. E eu pedi ao senhor José Saramago um autógrafo. Ele deixou aquelas quatro linhas que não foram escritas no meio de muitas outras.

Hoje, no dia da morte de José Saramago, escritor, homem de diálogo que eu encontrei numa tarde de sábado.

1984!

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