25 junho 2010

O Poeta


Albatroz 2 & 3 - Décembre 1987

Já não sei quando foi, sei que na altura eu era o braço direito (ou esquerdo) do Raul. De vez em quando passava no seu quarto, ali em frente ao jardim do Luxemburgo para passarmos uma horas a escrever e a recopiar textos para o “jornal”. Ora eram textos em fita especial para serem editados em off-set, ora eram stencils que depois, durante o movimento da noite eram impressos na Gestetner. Éramos cúmplices há anos. Das outras coisas, eu não participava, mas sabia das suas reuniões com vários responsáveis. Muitas noites e muitas horas eu perdi a trabalhar para a Frente.

Já não sei quando foi. Sei que uma tarde lhe bati à porta.

E a porta abriu-se. O Raul sorriu e eu entrei.

O quarto não era grande, uma cama, duas cadeiras. A banca de lavar a cara e a louça.  As máquinas de escrever, alguns livros, alguns papéis.

Numa cadeira duas chávenas de café instantâneo.

Não reconheci o poeta, mais velho do que nós, sentado na cama, Raul na cadeira livre. Breve apresentação.  Fiquei a saber quem era.
Porra, o Alegre ali à minha frente! Naquela altura eu ainda lia poesia. Há anos que conhecia a Praça da Canção. Esperava tudo, menos encontrá-lo ali à minha frente.
Palavra puxa ideia, luta no interior.
Outro café para quem tinha chegado repentinamente.

Vocês são jovens, é preciso incentivar a luta contra. È preciso instalar homens no interior. Eu já não tenho saúde, mas vocês são jovens, precisam de irem para as primeiras linhas.

Na altura não percebi que havia “quadros” que não podiam ir para a frente de combate. Nem me dava conta que também um dia, mais tarde, muito mais tarde, também teria varizes.

Na altura não tinha medo para ir para a frente de combate.

Tomei o café e fui à minha vida, já não sei se fui trabalhar ou se fui dormir ali para os lados da rue du Bac.

Dias depois o Raul disse-me que o Poeta estava clandestinamente em Paris. Explicou a necessidade de se manterem certos segredos mesmo no país da “Liberdade, Igualdade, Fraternidade”.

O Poeta continuou a escrever poesia, a sua voz continuou a ser ouvida à noite.

Não fui dar tiros para a Ardèche, não fui clandestino na minha terra. Fiquei em Paris. Continuei a beber cafés no quarto do Raul, a escrever naquela máquina portátil com um teclado que não era o “HCESAR”, a passear no Luxemburgo, a acarretar móveis.

1 comentário:

Rui Costa Ramos disse...

Está a tornar-se um hábito ler o que escreves neste blogue. E cada vez gosto mais.