O Jean era da família da C. H.. Era uma pessoa que eu só tinha encontrado duas ou três vezes em eventos familiares. Nunca tínhamos falado muito, embora geograficamente não morasse longe, morava nos arredores, muito próximos, do Sul. É verdade que eu tinha relações distantes com a família da C. H. - eu encontrava-me à margem.
Era o fim do Verão. Depois do casamento civil, depois do cortejo pela cidade, eu e o Jean ficámos lado a lado no banco da igreja. O Jean era da minha altura, tinha a idade de ser meu pai, cabeleira branca.
Curiosamente enquanto os outros recitavam as orações, seguiam religiosamente os movimentos de sentar, ajoelhar, levantar, eu e ele estávamos sempre desfasados.
De olhar em palavra, em fundo de orações e de votos aos noivos, fomos trocando palavras, frases e ideias. Ora de pé, ora sentados lá fomos falando, sobretudo ele. “Gaulliste de gauche”, Jean diz-me que não é crente. Dois ateus encontram-se lado a lado.
A cerimónia demorava, nós trocávamos algumas palavras. Ele utilizava o “tu” e eu o “vous”. A certa altura, saímos para fumar, o padre continuava a retardar os noivos.
Foi nesse dia que o Jean me contou uma parte da sua história. Eu sabia que ele tinha pertencido à Resistência e usava a fitinha respectiva na lapela. Creio mesmo que começou a contar dentro da igreja, quando explicava a razão pela qual não era crente, a razão pela qual não tinha religião. A nossa conversa acabou no fim do aperitivo que precedeu o jantar.
Jean tinha estado preso em Fresnes por pertencer a uma rede de resistentes. Preso e condenado à morte. Contava a sua história como tivesse sido há meia dúzia de anos, com palavras simples e sem raiva. Tinha vivido dias, na cela, sabendo que a morte o esperava. Sabia que os seus companheiros iam sendo assassinados, uns após os outros. E ele safou-se! Explicava ele que nunca soube como. Quando falava, os olhos ficaram húmidos.
Sabes? – disse ele. Sabes? Ainda hoje, às vezes, acordo ao meio da noite e penso que estou na cela. Sonho com aqueles dias em que passei à espera que os carrascos abrissem a minha porta. Ainda hoje sonho, é um pesadelo que me tem acompanhado durante todos estes anos.
Não sei se Jean K. alguma vez escreveu e publicou a história da sua vida. Talvez não. Talvez também não contasse esta história a muita gente. Talvez não tivesse tempo para escrever as suas recordações. Talvez o tempo que lhe restava estava ocupado com a impressão de livros dos outros, com a participação na gestão da cidade onde morava.
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