18 julho 2010

Amália Rodrigues e Camilo Castelo Branco




Mais uma história improvável no espaço e no tempo

Aviso à plácida leitora e ao plácido leitor: apesar de todos os improváveis, que nada têm a ver nem com o convento de Monchique ou outros lugares do Porto, a história é verdadeira. Por uma vez, o escriba deste blogue aparece como personagem (n. f.) central.

Numa noite invernosa difícil agora a situar no mês e no ano exacto a equipa dos docentes de Vitruve decidiram escolher um restaurante ali para os lados da Place d’Aligre para jantarem com o Henri Ourman, Inspector da Academia de Paris.

Os dez ou doze que éramos comeram bem e acompanharam a refeição com um vinho que merecia o apreço geral. Também houve alguns que preferiram beber só água, mas ninguém se opôs! Passados todos estes anos já não me lembro do menu mas sei que o que se comeu era fino e saudável. Sem dúvida algo que tinha a ver com a cozinha regional do sudoeste francês.

Depois dos cafés, já prontos para regressarmos aos nossos respectivos e diferentes lares, já com as botas a morderem a beira do passeio, o Inspector lança-nos os repto de nos oferecer um “coup d’étrier” pois  ainda era cedo e no dia seguinte não se trabalhava. Convite aceite!

Direcção: Rue des Canettes. ( Não quero desbobinar  agora e aqui tudo mas o “Chez Georges” conheci-o logo nos primeiros tempos de Paris, eu e o Raul íamos lá, à noite comprar uma lata de ravioli ou um litro de Kiravi. No andar térreo era uma mercearia, assim ao lado direito, quase em frente à porta havia uma escada com corrimão em madeira para a cave. Também havia um objecto fabuloso – um juke-box em madeira. Ficava sempre com os olhos dependurados nele. Discos de 45 rpm. Daqueles que eu conhecia alguns e doutros que gostaria de ter ouvido mas era mais importante a alimentação nocturna de dois vadios)

Lá seguiram as três ou quatro viaturas até à proximidade de Saint-Sulpice.  O Jean-Marc abria a marcha e os outros com medo de se perderem.

Depois de estacionados os carros na proximidade, na altura era fácil, lá nos encontrámos diante da porta de um restaurante húngaro, quase em frente ao Chez Georges. A porta (azul?) estava fechada e o restaurante sem luz. O Henri, conhecedor, abre a porta e dirige-se para a escada de acesso à cave. Música! Fala com um empregado.

Uma mesa perto do minúsculo palco foi-nos dada. Puxa banco daqui, trás banco de outro sítio lá nos conseguimos instalar.

No intervalo – os músico também tinham que descansar e molhar as goelas – o cantor vem cumprimentar o nosso Inspector. Apresentação geral dos membros da equipa. Quando chega a minha vez, mais uma vez, o português de serviço. O homem, de camisa larga, jubila. Oh! Mas Portugal! Ele tinha um sotaque da Europa Central. Portugal? Ele tinha no seu repertório uma canção da Amália Rodrigues!

E eu que não gostava da Amália, e eu que continuo a não gostar da Amália Rodrigues! A conversa e o intervalo continuaram. 

Continuámos a beber e a conversar baixo. A música recomeça. A pautas tantas lá vem uma da Amália com sotaque do Leste e ritmo cigano.

Durante a canção, da posição em que estava vejo descer as escadas de calcário uma personagem com um bigode camiliano, de fato negro debaixo de uma capa longa.

Pensei que a mistura do Kir, do tinto e do que estava a beber me estava a beber... me tinha causado alucinações! O Camilo Castelo Branco fazia uma aparição no momento em que um fado enchia uma cave de Saint-Germain.

Foram três ou quatro pessoas que se instalaram ao lado dele lá ao fundo, do outro lado da sala. No intervalo seguinte o anfitrião do sítio foi-me apresentar ao “Camilo” – deux portugais qui se trouvent sous mes  voutes avec Amália et sa musique, fantastique!

Há umas horas atrás contei este episódio à C. T.  Depois falámos um pouco das coincidências. Ela não queria acreditar.

Jurei a pés juntos da veracidade da coisa. De repente, lembrei-me de ter lido, de ter ouvido na rádio que o Mário Barroso tinha participado como actor, num filme do Manoel de Oliveira.

Saltei para a Net! Pesquisa rápida. Sim, era verdade. Francisca? Agora falta saber se ele teve cenas filmadas em França.  As datas coincidem! Teria sido mesmo verdade o que me aconteceu numa noite ali na rue des Canettes? Reencontros lusófonos num espaço parisiense?

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