Faltavam-me ainda algumas horas para me encontrar com o Manuel. As voltas à volta da praça de Londres já me cansavam. Por acaso descobri que mesmo ali na Guerra Junqueiro passavam um filme do Alain Resnais. Tinha mais que tempo para ver o filme e para chegar a casa do Manuel ali para Benfica.
Lisboa estava a chegar ao fim. Só mais umas horas e a estrada esperava-me para mais uma etapa até ao Porto. Resolvi ir ver o “Mon oncle en Amérique”. E tinha a vantagem de ser uma versão original, como sempre legendado em português.
Fumei o último cigarro, entrei e como de costume encontrei um lugar na cochia. Tentei arranjar uma posição confortável. Há anos que não ia a Lisboa, praticamente já tinha resolvido os detalhes mais importantes que lá me tinham levado. Pus-me em mangas de camisa e fiquei a olhar para a tela, à espera.
Sinto uma presença no corredor e ouço um olá! Surge a Paula com um sorriso. Está ali com os pais e com o Hernâni, o namorado. Tinha-os encontrado no fim-de-semana anterior em casa da T e do marido. Volto-me para trás e aceno ao Hernâni, havia um espaço entre ele e um casal de velhotes simpáticos e sorridentes. E o Hernâni correspondeu.
Durante uns minutos a Paula ficou a falar comigo ali agachada. Tínhamos andado em bando por bares e jardins de Lisboa, em lanches e em jantares. Ela era jovem e sorridente, o Hernâni tinha trabalhado parte do domingo. Perguntou-me como eu estava. Quando partia para Paris. Agradeceu-me o almoço que tivéramos ali junto do jardim das Amoreiras.
As luzes baixaram para começarem os anúncios na tela.
A Paula levantou-se, já só com o feixe do projector a atravessar a sala e deu-me um beijo na boca.
Saí a correr do Londres pois já estava atrasado, não tinha tempo para ir beber uma imperial com eles à Mexicana.
Trocámos correspondência, cartas e postais, durante meses. Ficou chocada por eu lhe ter dito que a minha cidade era Paris. Mandou uma frase de contente pelo Mitterrand ter ganho as eleições presidenciais. Chegou-me a pedir boleia até Paris nas férias mas não chegou a concretizar-se. Mandei-lhe umas fotos do grupo em Montes Claros. Numa das últimas cartas que me enviou anunciava-me que resolvera fazer a viagem a Paris com o marido da T.
Em Outubro voltei a estar em Lisboa. Encontrámo-nos junto a um fogareiro de castanhas ali perto da estátua do Marquês. Entrámos numa confeitaria. Os cinco miúdos que me acompanhavam não estavam nem quietos nem calados.
Não lhe fiz perguntas. Ela contou que tinha passado no mês de Setembro em Paris e que tinham ficado num hotel onde havia ratos ali perto do metro Cadet. Ela tinha a minha morada, devia pelo menos saber o nome da rua onde, na altura, eu morava. Ainda a convidei a vir connosco até ao Cacém – disse que não estava disponível. Despedimo-nos já no metro como dois amigos. Não lhe cheguei a contar que tinha encontrado em Paris o marido da T. com uma secretária suíça e jantáramos juntos.
(Encontrei, há uns dias, no meio das minhas cartas pessoais a troca de correspondência da altura)
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